18/04/2009

Vamos discutir a relação (1)?

Por Roberto Duarte

Não só a Lei Rouanet está sendo revista, no nível nacional. No plano estadual, a Lei do Fazcultura também está aberta a revisão. Momento oportuno para repensarmos a relação Estado/cultura em todo seu conjunto.

Todos concordamos que as práticas culturais se constituem em questão estratégica para os povos no mundo contemporâneo. Aliás, só chegaram até este tempo os povos que conseguiram preservar suas culturas. Alguns chegam sem território, sem fronteiras, sem governos, mas seus sistemas simbólicos sobrevivem e, portanto, existem.

Já perdemos a inocência de utilizar a palavra e o conceito de cultura no singular. Tratamos de culturas. De um emaranhado de trocas simbólicas que não se resumem mais ao mundo erudito, nem apenas às belas artes, nem aos artistas famosos e queridos da multidão. Também não tratamos mais, apenas, daquelas práticas e ritos carimbados antropologicamente como marcas registradas de grupos étnicos ou segmentos demarcados da sociedade. Cultura também não é somente o que se consome, nem os hábitos de entretenimento. Não é só a economia do show business ou o roteiro errático do Circo Marimbondo ou de qualquer outro pelas bordas dos sertões.

Como deve o Estado lidar com isso? Quem deve pagar por isso? E para quê se deve pagar por isso? - que talvez seja a mais importante das perguntas.

O Estado deve pagar para sustentar os artistas? Deve pagar para capitalizar a atividade econômica da circulação de mercadorias culturais? E por que o Estado deve deixar nas mãos de empresas privadas a decisão de quais obras e quais artistas devem ser financiados, se o dinheiro é do Estado e, por suposição, o estado deve representar o conjunto da população? Por que o conjunto-da-população deve decidir entregar o minguado dinheirinho da cultura a uns e não a outros?

Será que o Estado, ao invés de olhar para a penúria ou opulência de alguns artistas, não deve olhar para a falta de acesso de imensas maiorias de sua população aos bens culturais e então financiar esse acesso?

A única simplificação possível desse processo é exatamente a que não interessa mais. É dizer: As elites decidem. Elas são cultas e são ricas, sabem o que o povo precisa - mesmo que este (seu, delas) conceito de povo deixe de fora uma margem imensa da população.

Há setores da produção cultural que são auto sustentáveis, mesmo que estejam temporariamente descapitalizados e que corram imensos riscos de ir à falência a cada empreendimento. There is no business like show business, lembra? Financiar empreendimentos auto sustentáveis com dinheiro público não é uma forma imoral de transferir dinheiro dos pobres para os ricos, um Robin Hood às avessas?

Vou encerrar aqui, um pouco adiante, e deixar para outra postagem a evolução desta conversa. Mas, antes, vou propor uma mudança de ângulo de olhar.

Acredito que estejamos imensamente acostumados a olhar a questão do ponto de vista de um artista que cobra recursos para realizar ou publicar sua obra, seja ela um filme, um livro, uma peça de teatro ou a gravação de um disco. Vamos mudar de perspectiva um pouco. Pela simples razão de que tratamos aqui de pensar a reformulação de um mecanismo do Estado: o financiamento e estímulo públicos à cultura.

Experimente pensar-se na situação de quem o Poder Público responsabilizou pela distribuição da grana. A grana que é pouca e não dá, definitivamente, para atender a todos que solicitam. Você é o responsável por isso. Que critério vai usar? Os resultados serão cobrados depois.

Opções: a) dar o dinheiro aos amigos e cobrar votos, em troca. b) Dar aos inimigos e coloca-los na cadeia na hora da prestação de contas. c) Estabelecer critérios complicadíssimos através de mecanismos burocráticos e deixar que os mais capazes sobrevivam. d) Dar a quem gritar mais alto, para calar a boca, e cobrar votos na próxima eleição. e) Sinalizar com objetivos claros e submeter sua execução à discussão da população. F) Nenhuma das repostas anteriores.
Qual, então?