28/12/2008

Corpo sem órgãos

Pasqualino Magnavita nos autoriza a publicação do texto abaixo, parte do artigo Corpo sem órgãos, que pode ser lido integralmente com um clique neste link.
Duas questões são tocadas neste parágrafo, de passagem: o poder de controle das redes midiáticas e a violência simbólica. Nós sobre os quais refletir. Vamos ao texto de Pasqualino:

Diferente do que ocorria nas sociedades industrial-disciplinares estudadas por Foucault, nas sociedades pós-industriais, denominadas por Deleuze de “Sociedades de controle”, os corpos deixaram de ser moldados em sucessivas sedimentações em espaços confinados: a família, a escola, a fabrica, o hospital, a prisão entre outros dispositivos de poder, no sentido de distintas modelagens. Hoje, todavia, presenciamos controles que não são mais moldagens, mas modulações, no sentido de modelagens auto-deformantes que mudam continuamente. O corpo, enquanto organismo procede como se estive preso a uma “coleira eletrônica” (metáfora usada por Deleuze) e acionada a distância por redes midiáticas que impõem metas individuais e coletivas sempre deslocadas para novos objetivos, novos produtos, novos serviços, novos financiamentos, aparentemente ao alcance de todos. Manipulação competente na construção de subjetividades que incorporam o poder simbólico da imagem sob a égide do capital financeiro que engendra um elevado nível de alienação nas relações sociais, transformando os interesses privados em estilo de vida, distinção social enquanto seletividade competitiva, prestígio e futuro desejável, indicadores estes que contribuem para acentuar a desigualdade social e promover a violência simbólica e a violência real nas cidades, particularmente nos paises em desenvolvimento.

27/12/2008

Caro amigo, 2009 vem chegando.

Tudo bem.

Ano novo.

Nada como um texto sobre o novo ano, num blog.

2009 será decisivo.

Penúltimo ano de uma onda que tentou varrer o país, no campo da cultura. Onda que pode ou não ser renovada, na próxima aventura eleitoral. Ou seja, pode não ser renovada e aí veríamos o que, de verdade, ficou plantado na organização da cultura. Não estou falando da cultura no plano de estado ou das instituições dos governos. A provocação é relativa à sociedade, às sociedades no interior da sociedade. Passei a entender que a organização da cultura tem que ser implantada como prática social autônoma, assumida com naturalidade e autonomia pelos seus operadores e apreciadores. Independentemente das estruturas do estado, de preferência.

O desafio é consolidar o acesso à produção cultural. Organizar um circuito que garanta esse acesso, de um lado, e garanta a reprodução do produtor, por outro. Em linguagem capital/empreendedorista: produção e consumo.

Para a produção existem leis de incentivo, fundos e uma legislação completamente inadequada à gestão do dinheiro público a ser aplicado em bens culturais. Rever tudo isso. A crise nasce no/do entendimento do que seja e como seja o bem público na cultura. Ou do entendimento de que e como a cultura é coisa pública. Esse é um belo nó-da-cultura.

Outro nó é a questão do circuito apreciador, para não falar consumidor (mas é consumidor também e temos que assumir isso). E vejo a questão por dois ângulos. Um, a produção do desejo de ir à cultura, ao encontro do bem cultural – tarefa dos media. Outro, a abertura da oferta de lugar de apreciação/exibição. Uma rede de apresentação da cultura liberta e independente dos grande oligopólios internacionais do entertainment. Criar uma rede de lugares para o povo ir ver o que se produz, a preço acessível e perto do lugar em que se vive.

Não é isso? Mãos à obra.

12/12/2008

Meu caro amigo, me perdoe

Se você, leitor, tem aí "Meu caro amigo", de Chico e Francis Hime, dê uma ouvida agora e volte aqui para ler a crônica

de Paulo Costa Lima:

Meu Caro Amigo:

uma homenagem a Chico e Francis Hime

O que há de tão especial nessa canção?

De um lado o tom da delicadeza — existe algo mais carinhoso do que um ‘meu caro amigo’? E que vai adiante: me perdoe por favor, se não lhe faço uma visita... É uma linguagem bálsamo que a entonação quase jocosa de Chico realça e projeta (Confira no Youtube).

De outro, o tom do desabafo, um painel de durezas elencadas em carritilha logo após ‘a coisa aqui ta preta’, registrando muita mutreta pra levar a situação, e nessa mesma linha: careta, pirueta, sarro, sapo, cachaça... O desenlace é inevitável: ‘ninguém segura esse rojão’.

Quem viveu a década de 70 no Brasil sabe como foi intolerável o massacre de mídia do bordão ‘ninguém segura esse país’ — a ditadura insistia em ser coisa nossa. A canção dá o troco, com uma dose vingativa e terapêutica de ironia e de pirraça: não é um país, e sim um rojão. O verso talvez tenha sido profético, basta lembrar o rojão que estourou no Rio Centro alguns anos depois.

Não pare. Continua: clique aqui


11/12/2008

Literalmente Araken

Não tenho qualificações para classificar Araken Vaz Galvão. Para mim, ele é um personagem descarrilhado da História que resolveu pairar entre nós, mortais, e, pior, entre os nós da cultura.
Araken nos envia um texto a discutir. Sobre as Letras.
Mando aqui os primeiros parágrafos e um link para quem quiser ler o resto. Umas duas laudas que dão pano-pra-manga. Eu mesmo discutiria umas coisinhas. Leia:

Letras, por quê?

Sempre me perguntei por que as pessoas estudam letras. E essa minha indagação faz-se mais insistente porque vejo proliferar o número de cursos de literatura, enquanto o número de leitores cresce apenas vegetativamente, quando cresce...

Por que, então, se estuda letras?

Esse instigante enigma levou-me a aventar a hipótese de que há algo de muito errado na elaboração da grade curricular dos cursos de letras em nosso país. Formam-se jovens professores que deverão ensinar a outros mais jovens, os quais, por suas respectivas vezes, irão ensinar a outros e assim sucessivamente, apenas teoria literária.

Em outras palavras, formam-se professores para ensinar literatura, e não professores para ensinar os alunos a gostar de ler.

Leia mais: clique aqui.

08/12/2008

Grãos da cultura

Tenho em casa uma dessas coisas que nos acostumamos a chamar de armário embutido (e que de embutido nada tem, devia ser armário ajustado, no máximo) cheio de cupins. Pode não ser cupim, tecnicamente, mas é parente dele. Podem chamar de broca. É um bicho que vive escondido e vai comendo a madeira por dentro. Quando ele aparece, se manifesta através de um montinho de pequeninos grânulos de madeira que se acumulam logo abaixo de um minúsculo buraquinho por onde ele, o cupim/broca, vai pondo para fora o que cava por dentro da madeira, grão a grão.
Quando vem o verão parece que a atividade dos bichos aumenta e surgem vários montinhos do quase pó, simultaneamente. Vez por outra sai uma geração nova de adultos, com asas e tudo, e eles vão saindo dos buracos, um a um.
Olho para o armário, ele lá, quieto, e penso na intensa atividade interna dos cupins. Penso que cupim também é cultura. Não é, mas parece.
Terá o cupim o projeto de um armário novo, inteiro? Ou ele cava apenas o pedaço de madeira que tem pela frente, sem saber que um dia poderá não ter mais armário? Nem madeira?
Bobo como me sinto, vivo quebrando a cabeça para descobrir a forma de descupinizar. Ou de tirar a cultura do armário.
Estou de volta, companheiros.

18/05/2008

Comentário definitivo

Recomendo vivamente a leitura de um comentário sobre o texto FRATURAS, mais abaixo, enviado pelo poeta gaúcho Jean Scharlau. Trata-se do texto "O Brasil sob a hegemonia cultural estrangeira" de Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O texto foi publicado pela Agencia Latinoamericana de Información e republicado no "Hora do Povo". NÃO DEIXE DE LER. É um texto que merece ser copiado e divulgado amplamente.
(Curiosidade: quando pedi opinião ao amigo Araken Vaz Galvão sobre o blog que mal tinha sido publicado, ele usou o início de um conto deste mesmo Jean Scharlau, "O Escuro":
"Nas trevas da noite profunda, tateando o homem insone busca seus óculos e não os encontra (enquanto derruba duas ou três coisas), busca o interruptor e este não funciona (ué, será que faltou luz?), então, num gesto habitual, em busca pavloviana da conhecida segurança e
conforto ele pega um livro à sua cabeceira e o abre. Simultaneamente se acha abobalhado (ou será já a senilidade?), porém surpreso vê que faz-se um semi clarão no breu, as letras fosforecem à sua frente, num lusco-fusco espectral... claramente ilegível - pois quem é que lê espectros, senão os médiuns e os radiologistas?"
- É mais ou menos assim que eu percebo uma página em preto, comentou Araken. E mais não foi dito nem lhe foi perguntado. O blog agora é vermelho.)

16/05/2008

Nelson Pretto fala

Este é Nelson Pretto, falando sobre educação e novas tecnologias. Roubamos este vídeo no Youtube e trouxemos aqui como exemplo. Queremos postar falas em vídeo, com as opiniões e propostas dos que estão, conosco, tentando desatar os nós.

Discutir leis de incentivo

Este texto é uma colaboração de Ana Lúcia Aragão.
Apenas para inaugurar a discussão sobre leis de incentivo, já iniciada neste blog, parece interessante destacar o direito à cultura sob a perspectiva do seu reconhecimento por meio dos instrumentos internacionais, que, por sua vez, conduziram à inserção no nosso ordenamento jurídico. O direito à cultura, segundo a classificação em dimensões de direitos humanos situa-se entre aqueles de segunda dimensão, juntamente com os sociais e econômicos. Aqui há que ser ressaltada a complementaridade entre as dimensões de direitos - os direitos civis e políticos, considerados de primeira dimensão, só se tornam plenamente eficazes com a concorrência dos direitos econômicos, sociais e culturais, que são resultados do contexto histórico pós-revolução industrial e da nova concepção de ser humano – concreto e inserido contextualmente.
Esses direitos de segunda dimensão fundam-se na idéia de igualdade, enquanto os primeiros privilegiavam a liberdade do indivíduo. Os de segunda dimensão porque tem em mira o homem inserido, superada a perspectiva estritamente liberal, demandam uma ação por parte do Estado, trazendo certos deveres de prestações positivas.
Neste sentido é que surge a necessidade das políticas públicas, ou seja, de um planejamento cultural estatal, envolvendo diversas ações integradas, é o que prevê a nossa Constituição Federal que trata do tema, especificamente, em seus art. 215 e 216. Ao Estado incumbe, segundo as disposições antes citadas, além de proteger o patrimônio cultural, tarefa que demanda também a participação ativa da sociedade, viabilizar a produção de bens culturais, e promover a democratização do acesso a esses bens. Em síntese, em matéria de cultura, o papel do Estado situa-se em três órbitas distintas, porém integradas, conforme previsão constitucional: a) defesa e proteção das manifestações da cultura nacional e do patrimônio cultural; b) incentivo à produção cultural; c) difusão e democratização do acesso aos bens culturais.
Eis que surgem as leis de incentivo à cultura e sobre a sua eficácia e suas limitações, e imperfeições adquiridas ao longo do caminho, ou já nascidas com elas, a discussão deve correr.

13/05/2008

O incentivo à cultura

Historicamente a arte é apoiada pelo poder. Poderes políticos e econômicos vêm apoiando a produção artística através dos séculos em nomes de diversos valores e interesses. Isso acontece e se repete desde o Egito, Grécia, Roma. Caio Mecenas (68 a.C. a 8 d.C.) emprestou o nome ao apoio, proteção e patrocínio das artes. Do Renascimento em diante as coisas começaram a mudar, com a formação do mercado de obras de arte. A lógica da indústria cultural, a partir do século XIX, deu caráter massivo e acentuou o aspecto mercadoria das obras. Os meios de comunicação de massa passaram a difundir as obras, sobretudo da música e do cinema, mais tarde a TV virou o grande meio de comunicação de massa. Ao lado da relativa independência em relação aos poderes político e econômico, ocorreu a reprodução em série e, há quem afirme, a banalização em larga escala do produto cultural. A sociedade contemporânea se caracteriza pela diversidade e pela diferença. Os poderes hegemônicos impõem a padronização, o lado perverso da globalização. É nesse nó que o estado tem que atuar.

Hoje, no Brasil, em decorrência de políticas culturais recentes, o conceito de cultura se amplia, desprega-se da imediaticidade das obras e estende-se a bens imateriais e ao comportamento. Espera-se do estado a formulação de políticas públicas que atuem, em sentido amplo, como mecenas e, ao mesmo tempo, deixem à sociedade a escolha do bem cultural a ser produzido.

Temos leis de incentivo federais, estaduais e algumas municipais, que se baseiam em renúncia fiscal do estado e convocam a solidariedade de empresas privadas. Estas leis, no entanto, têm o lado perverso de deixar aos departamentos de marketing e aos interesses da empresa privada a decisão do que patrocinar e de em que tipo de obra investir. A empresa privada entra com um percentual de aproximadamente 20 por cento do investimento e tem a totalidade, cem por cento, do poder de decisão. Sem falar na corrupção que se configura com a devolução da parte do investimento privado ao patrocinador, por baixo do pano. Prática muito usual e de difícil comprovação para fins legais. Isto significa fazer políticas públicas com as mãos amarradas.

Outro aspecto importante, mas não muito discutido ainda, é que os mecanismos de apoio, entre nós, classicamente, se concentram no incentivo à produção das obras, esquecendo a sua circulação e apreciação pelo público. São dois nós, aí. A fratura entre comunicação e cultura e o desperdício do investimento em obras que, por não circular, pouco efeito social vêm a produzir.

De um lado, é preciso rediscutir e rever as leis. De outro, é preciso desenvolver uma estratégia de mercado da cultura que interessa. Exemplo? A imensa maioria da população não frequenta cinemas. É caro. Cerca de 90 por cento, o povo, vê TV. Nosso cinema não passa na TV. Por quê? Eis um belo nó.

10/05/2008

Visão do invisível

Ainda no tema das fraturas. A palavra de ordem da sociedade contemporânea é a visibilidade. É a maior mercadoria. A mercadoria que antecede todas as outras. O fetiche disseminado e acolhido de forma ampla. Essa mercadoria é monopólio dos meios de comunicação de massa. Os meios de comunicação de massa são empresas privadas e regidas pelas regras da lucratividade. Valem pelo que obtém de atenção. Vendem seus espaços e tempos para dar visibilidade a quem lhes paga. Se a produção de visibilidade, em termos sociais, passar a ser conseguida gratuitamente, as empresas dos meios de comunicação de massa perderão o sentido e os lucros. Vão falir. Esse estado de coisas não seria trágico se, na sociedade contemporânea, a imagem que fazemos do mundo não se originasse basicamente nos e dos meios de comunicação. Então, só existe o que eles tornam visível.

Os eventos da cultura espontânea, ou não, do povo dificilmente adquirem visibilidade através dos meios de comunicação e por isso dificilmente existem, de fato, no imaginário da maioria da população. Estamos pensando aqui em todas as formas de produção de bens simbólicos, desde as menos sofisticadas tecnologicamente até o vídeo e as páginas da Internet. Samba de roda, xilogravura, literatura de cordel, cerâmica, coisas que só adquirem visibilidade quando recebem um tratamento especial que as impulsiona para o consumo na forma mercadoria. Passam aí a falar a língua de “gente grande”, o negócio.

Sem negócio não tem conversa, nem existência pública. A cultura “de verdade” está condenada pelos meios de comunicação a ser contida na esfera privada, no máximo comunitária. Aí está uma bela fratura e um belo nó a ser desatado. Comunicação de massa é questão pública e faz parte das políticas públicas que dizem respeito à cultura, no entanto aí prevalecem os regimentos do interesse privado. Quem compra essa briga?

Drops misto

Blog me lembra guloseima de infância. Era vendida pelo baleiro, junto com chicletes e queimados, versões ancestrais dos Mentos, Bubaloos e assimilados destes tempos: drops misto. Pastilhas coloridas e de diferentes sabores. Tinham de ser degustadas uma a uma. A diferença é que tinham o tempo de degustação vinculado à dissolução do açúcar em contato com a saliva (perdeu o gosto?). No blog, o sincronismo é estabelecido pela navegação e tempo de leitura. Mas tem-se que ler uma pastilha de cada vez. Cada postagem terá sempre algo como o DNA do pensamento inteiro, mais complexo e não tão aparente. Às vezes, pouco aparente até para quem escreve. A tarefa é tornar saborosa a degustação de cada pastinha enquanto se mantém uma difusa unidade geral e, quem sabe, alguma coerência. Bola pra frente.

09/05/2008

Fraturas

São duas, mas duras e fundamentais. As fraturas que desorganizam nossos corações e mentes. Fratura entre cultura e educação. Fratura entre comunicação e cultura. O produto das fraturas é a imagem do grande alienado de si mesmo. Intimidade com o estranho e estranhamento do íntimo. Imaginário povoado de craca, de deseducação, de descultura, de desconhecimento, em nome da comunicação perversa, sem sentido. Sem reconhecimento da cidadania, transformada em público-alvo. Pela cultura no plural: culturas. Que seja(m) o conteúdo da educação e que seja(m) substância da comunicação. Pela erradicação da dependência do discurso do outro para configurar o próprio mundo.
Percebemos que há uma grande mudança, bem vinda, em marcha. Mas que venha, mesmo. Não, ao nó burocrático dos procedimentos protocolares da burocracia reumática do estado, transformando meios em fins e fins em meios. É preciso repactuar os contratos legais com vistas aos objetivos finais, dar sentido ao que seja governar. Refletir sobre o poder. O poder nos põe, diante do verbo governar, como sujeitos ou como objetos. O que há para ser feito é a escolha.